segunda-feira, 15 de dezembro de 2014


Numa casa pequenina
escondida na cidade,
no final de pobre rua,
sem asfalto e sem beleza –
falta luz e falta água –
sem fartura de alimento,
uma mãe com seus dois filhos
põe à mesa um simples bolo
e sobre ele uma vela,
que, acesa, ilumina
seis olhos em torno à chama.
Entoam o parabéns
para o aniversariante
e se abraçam, comovidos,
mesmo com festa tão pobre.
Numa casa pequenina
escondida na cidade,
o Menino-Deus entrou
para ali comemorar
a festa do Seu Natal.


NATAL



Nasceu a muitos séculos atrás,
em meio a animais, na estrebaria,
uma criança por Deus enviada
para salvar a humanidade inteira.

Porém, esse sinal do amor de Deus
ainda no ventre de sua mãe
pelo seu povo não foi recebido
e a morte perseguiu-o toda a vida.

Somente os mais pobres de seu povo
souberam acolher esse Menino,
pois em sua pobreza nada tinham
senão a esperança no Senhor.

Pobres pastores naquele Natal
dos campos foram ver o Deus-Menino.
Mas do aconchego das urbanas casas,
não houve que O fosse adorar.

Passados dois milênios desde então,
a humanidade celebra o Natal,
porém nos lares das grandes cidades
o Deus-Menino ainda é rejeitado.

Preocupa-se o povo com presentes,
com roupas novas e u’a ceia farta,
mas no aniversário do Menino,
o pobrezinho não é convidado.

Aguarda-se a ceia e os presentes,
abraços e alegria entre os convivas
e na estrebaria o pobrezinho
só tem por companhia os enjeitados. 

Qual o sentido de fazer-se festa
de aniversário para o Deus-Menino,
se o aniversariante é esquecido
e fica fora, sem ser convidado?

Não te preocupes, ó humanidade,
em preparar uma ostensiva festa,
mas busca, dentro de teu coração,
fazer-te manjedoura p’ro Menino.

Não te preocupes em comprar presentes,
mas reconheça o grande dom de Deus,
que deu-te, e por todas gerações,
o Deus-Menino como mor presente.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014



Quando miro-me no espelho,
vejo, além de meu rosto,
também de meus pais os traços.
E quando atento à voz
que pronuncia a mi’a boca,
ouço meus antepassados.
Tudo aquilo que eu faço
e julguei que era-me próprio,
com o passar da idade
penso ser tudo herdado.
Minha vida é um plágio –
é ela um plágio somente –
de outras vidas que correm,
que correm em minhas veias,
ou que passaram por mim,
permanecendo em meu ser.
O que pensei ser mi’a vida
é um mosaico de vidas.





Eu vivi entre montanhas,
habitando em um vale,
desejando as alturas,
mas sem as subir jamais.

Tudo o que eu vi do mundo
limitou-se ao meu vale.
Até a visão do céu
não levava ao infinito.

Lendo a história de alpinistas,
minha alma chora triste.
Tanto havia além-montanhas,
no entanto eu quedei-me
toda a vida em meu vale.





Quero aprender a morrer,
silenciar esta vida
e sem para trás olhar,
sepultar minha memória.
Cansado estou de viver,
vendo escapar, entre os dedos,
o tempo e os meus sonhos.
Penso que, silenciando
a minha voz nesta vida,
possa encontrar o repouso
e a verdadeira alegria.
Quis aprender a viver,
mas tive mais frustrações
do que alegria na vida
e o corpo, quase sem forças,
pede-me já o descanso.
Ter-me enganado eu creio
ao desejar que o meu nome
vivesse além de mim.
Quero aprender a morrer
e a quietude encontrar.
Quero dobrar meus joelhos
e nos braços achegar-me
de Deus na eternidade,
esquecendo a minha história,
no próprio Deus me perdendo.





Sou o plágio de um poeta
sem talento e sem amores,
incapaz de belos versos,
só cantando as minhas dores.

Mi’a existência é medíocre,
sem amar ou ser amado;
nada deixarei de herança,
ser um nada é meu fado.

Nada mais da vida espero
a não ser a boa morte,
que porá um final ponto
em mi’a vida e sua sorte.



quinta-feira, 4 de dezembro de 2014



Ao longo de mi’a vida vi morrerem
tantas pessoas jovens e amadas,
ceifadas no auge da existência
por quem a mim um dia ceifará.

Sempre pensei que se eu morresse jovem
talvez não encontrasse a paz eterna
por sentir-me frustrado e incompleto
no meu destino traçado por mim.

Por outro lado, houve tantas vidas
que foram, a seu tempo, carne minha
e que ainda vivem, separadas
de mim e hoje estão esquecidas.

Aqueles que a morte separou-nos
marcaram-me profundamente mais
do que os separados pela vida,
vivos permanecendo em mi’a lembrança.

E apesar da dor ainda sinto
quando a morte busca os amados,
se há alguma coisa que lamento
é conviver menos do que devia.

Espero que, quando vier a morte
buscar-me e levar-me ao Mistério,
ao menos deixe marcada uma vida
como a minha foi pelos que amei.





Há dias em que penso que a morte
será a mais bem-vinda companheira
e, entre os seus braços aninhado,
não mais me alcançarão dor e tristeza.

Não sofro apenas por este meu corpo
estar dando sinais de exaustão,
co’a enfermidade aos poucos me prostrando,
tirando-me a alegria de viver.

O que, no mais profundo de mi’alma,
dói-me é perceber a indiferença
do homem em relação ao sofrimento
de outro como se não fossem pares.

O que em mim existe de pior
desperta ante a desumanidade,
e a esperança parece estar morta,
a cinzas reduzida e a mais nada.

No entanto, sob a cinza há uma brasa
que a um sopro volta a crepitar
e a morte, que era então tão desejada,
recua dando espaço para a vida.

                                                                   


Há sonhos que a humanidade tem,
que são os mesmos sonhos do Senhor,
por Deus postos no coração humano,
que espera se tornem realidade.

Eu quero crer que a humanidade um dia
construirá um mundo mais pacífico
e cada um, buscando o bem comum,
expurgará da terra a indiferença.

Enquanto este ideal é utopia,
o egoísmo luta contra o amor,
mas os tênues sinais da caridade
mantêm acesa a chama da esperança.

domingo, 23 de novembro de 2014



Numa noite solitária,
porém não de solidão,
fecho da sala a cortina,
(o abajur à meia luz)
ponho um disco na vitrola,
sento e olho p’ras paredes
e me ponho a recordar,
ao som de cada canção,
um pouco da minha história.
Volto longe à minha infância,
quando os meus pais viviam
–  eram jovens e  bonitos –
e amavam também canções.
Juventude e amigos
que se foram com o tempo
– aquela porque estou vivo,
estes, alguns pela morte.
As músicas se sucedem
e, com elas, as lembranças.
Choro, rio, sinto saudades
e sinto que cada música
encaixa-se em um preciso
momento da minha vida.
Numa noite solitária,
porém não de solidão,
encontrei da minha história
a sua trilha sonora.





Recordo aquela noite de vigília
em que velava teu corpo sem vida,
de flores que amaste rodeado,
porém este jardim era de dor.
Olhei para os teus olhos entreabertos
opacos como os meus naquele instante.
Se para a minha face alguém olhasse,
diria que eram dois corpos sem vida.





Existem no mundo pessoas
que seguem fazendo o mal
e alimentando a injustiça,
nem ao próprio Deus respeitando.

Mas a estes se contrapondo
vivem os bem-aventurados
que buscam promover a paz,
por isso são filhos de Deus.

Em meio à injustiça e à guerra,
procura-se a via da paz,
no entanto esta busca é infrutífera,
pois a própria paz é o caminho.




Os Magos do Oriente observavam
o céu, quando uma estrela avistaram,
de brilho incomum, como a mostrar
um fato grandioso e divinal.

Seguindo a estrela até Belém,
pensaram haver nascido um rei humano,
mas numa estrebaria pobre e fria,
o próprio Deus-conosco encontraram.

Ao que seria Rei trouxeram ouro,
incenso a quem de fato era Deus
e mirra a revelar sua humanidade,
três dons a apontar o Emanuel.

E séculos depois, o ser humano
ainda oferta àquele Menino,
não mais aquele ouro, incenso e mirra,
e sim seu coração e sua vida.





Cante o poeta sem cessar,
cante sem limite, sem medida,
pois quanto mais versos são escritos,
mesmo sobre um único tema,
mais aperfeiçoa o seu engenho
quem busca na vida inspiração.





Meus olhos pesados fazem-se
e o meu corpo quer descanso,
porém não me entrego ao sono
enquanto me fala a musa.

Canta ela ao meu ouvido
e também ao coração,
pedindo às minhas mãos
que hora se façam suas.

Fico sempre a meditar
se o engenho do poeta
é dom deste ser humano
ou de Deus ele é instrumento.


sábado, 22 de novembro de 2014



O poeta com sua pena
canta a vida e canta a morte,
canta a história de seu povo,
canta o amor e a vaidade.

Um poeta outro inspira
e assim se perpetua
na história a poesia,
fruto do engenho humano.

Do homem  que gera filhos,
faz-se memória por anos,
mas os frutos do poeta
atravessam gerações.





Confesso a minha soberba
em tudo aquilo que faço,
não me apegando ao presente,
pensando em posteridade.

Pode ser que isso revele
o anseio do ser humano
que tendo o fado mortal
sonha viver para sempre.

Dentre os agires humanos,
a arte a todos supera,
prolongando pelo séculos
a obra e o seu autor.





Eu olho compassivo as crianças
que atualmente vivem neste mundo,
que pensam encontrar felicidade
no que pode comprar o vil dinheiro.

Crescendo estão longe da Natureza,
assim como distante estão das artes,
desconhecendo a história e o passado
que sua vida forjaram e a de seu povo.

Desprezando a cultura nacional
e aceitando o que de fora vem,
passivamente vão se preparando
para subjugar-se ao estrangeiro.

A imagem que eu tenho do futuro,
ao contemplar crianças do presente,
não me trazem alento ou esperança
e sim preocupação e muita angústia.

Mas se nós ensinarmos às crianças,
a quem confiaremos o futuro,
um pouco do que nos torna humanos,
talvez renasça a chama da esperança.





Como tantos poetas eu quisera
cantar o meu amor por minha amada
e expressar, em versos, sentimentos
que só os apaixonados têm no peito.

No entanto, nunca o meu coração
sentiu-se acorrentado pelo amor
e, assim, sem me curvar a uma paixão,
eu vou cantando apenas o que vivo.

Dedico o meu amor à humanidade
e a Deus, que sempre me aproxima dela,
e quero entregar a esta a amada
o fruto, em palavras, do que sinto.





Como pode o amor que houve um dia,
que uniu os dois amantes, transformar-se
em ódio, mais que em inimizade?!

Pergunto-me se de fato havia
amor ou se foi outro sentimento
que enganou aqueles corações!

Só destrói o amor o egoísmo –
sentimentos que em si são tão contrários –
centrado no amador mais que no amado.

Enquanto cada um buscar fazer
o amado feliz e não a si,
o amor que os uniu existirá.




Quem ama a si mais que a tudo,
buscando a felicidade,
encontra, de fato, a tristeza
e com esta a solidão.

A lógica da vida humana
difere daquela divina,
que ensina que há plena vida
se buscarmos o bem comum.

O que passa a vida amando
e fazendo o bem ao irmão,
em Deus terá sempre consolo
e a Vida além da morte.

                                                                 

quinta-feira, 20 de novembro de 2014



Há dias como o de hoje
em que me sinto sem vida,
faltando-me inspiração
para compor os meus versos.

Sempre que tal acontece,
mi’a vida perde o sentido,
pois é o labor de poeta
respiração para mim.

Quando o sopro de vida
extinguir-se em meu ser,
quero que um pouco de mim
em meus versos permaneça.




                                           nos 100 anos de Carolina de Jesus

De dentro de uma favela,
entre sucatas e lixos,
uma mulher pobre e negra,
quase analfabeta,
sonhou que a literatura
a tornaria feliz.
Tantas vezes escreveu
em seus diversos cadernos,
não pela inspiração,
mais para a fome aplacar!
O sucesso conheceu –
sonho de todo escritor –
mas não a felicidade.
Rejeitada na favela
(com medo de ver expostas
as suas intimidades),
nunca sentiu-se acolhida
onde sua casa comprou.
Desiludida e infeliz,
retirou-se em um sítio,
onde viveu esquecida,
longe da fama e dos homens.
As letras não lhe trouxeram
a alegria sonhada –
apenas qual fogo-fátuo.
Jamais deixou de escrever
P’ra saciar sua fome –
não de alimento ao corpo:
fome de felicidade.



Poesia é um cantar humano,
porém inspirada por Deus,
na qual ressoa na história
humana o sopro divino.


Revela a Sagrada Escritura
que Deus, em seis dias, criou
o que no universo existe:
animais e plantas e o homem.

No sétimo dia, o Senhor
sua criação contemplou
e, admirando a beleza,
então Deus criou a poesia.



As horas passadas no ócio
são horas perdidas na história,
quiçá recordadas por nós,
porém esquecidas na morte.

O trabalho humano permite
fazer esta vida mais digna,
no entanto são poucos os trabalhos
que vivem além do obreiro.

A arte, que é fruto do engenho
humano, porém, permanece
viva, atravessando os séculos
até se esquecido o autor.

terça-feira, 18 de novembro de 2014



A história portuguesa
forjou a sua alma
e criou a canção
nacional que é o fado.

Aquele que o ouve,
o faz regado em lágrimas,
pois canta o coração
do povo lusitano.

Ó fado, canção minha,
que faz-me português,
unindo a minha vida
à pátria de Amália!

Te escuto co’os sentidos
todos que em mim existem
e assim a tua alma
vem e encarna em mim .



Eu quisera ter ao menos
o fado de Portugal,
que ceifado em sua grandeza
hoje atrai, por sua história
e cultura milenares,
a admiração de muitos.

Minha história vai correndo
sem que eu seja o poeta
que um dia acreditei
ser meu fado, meu destino.

Mi’a esperança é que meus versos,
mesmo após a minha morte,
possam dar algum sentido
e alegria a tantas vidas
que acaso os conheçam.

Se sou hoje um nevoeiro,
quero ter a minha hora,
mesmo que nesse momento
minha vida esteja finda.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014


“Toda vez em que estive entre os homens,
volvi menos humano”, disse Sêneca.
Confesso que em parte eu concordo
com este pensamento tão antigo,
pois, em contato com outras pessoas,
foi despertado o pior em mim.
Entretanto, no encontro com a miséria
de tantos seres marginalizados,
este meu coração endurecido
voltou a ser um coração de carne.

É esta a contradição humana,
que faz com que o mundo em que habitamos
espelhe o egoísmo infernal,
mas também os sinais do Reino Eterno.



Estulto é todo homem egocêntrico
que julga ser mais justo do que Deus,
recriminando os atos do Senhor,
que longe estão da lógica humana.

Assim agiu o servo que na vinha
primeiro foi chamado a trabalhar
e que ao final do dia recebeu
o mesmo que os últimos chamados.

No pensamento humano foi injusto
o dono da vinha que os igualou.
No entanto, cada servo recebeu
O necessário p’ra viver um dia.

Zangou-se também o filho mais velho
co’o pai que acolheu o filho pródigo
que voltara ao lar arrependido,
após tudo gastar com imprudência.

Não compreendeu que o pai se alegara
co’a volta do filho que se perdera,
enquanto que ele, o filho prudente,
seguro com o pai sempre estivera.

Ainda há a história dos talentos
distribuídos entre três pessoas,
que os receberam de forma diversa,
segundo as suas capacidades.

O que julga o senhor alguém severo
que lucra sobre o trabalho alheio,
devolve-lhe, sem juros, o talento:
terá o destino do mandrião.

Quem vive sob a lógica do mérito,
sentir-se-á por Deus injustiçado,
correndo o risco, por sua soberba,
de ficar fora do banquete eterno.

Porém, o que aprende a pensar
segundo a justiça e a gratuidade,
caminha na dinâmica do amor
e vive, já na terra, a vida eterna.



O Deus da Vida foi quem deu-me o dom
de fazer de minha vida uma oblação
e tenho procurado ser fiel
àquilo que o Senhor me confiou.

Minha existência, julgo-a um tesouro
que não posso guardá-lo para mim,
mas devo partilhá-lo cada dia
e, assim, ir-me tornando mais humano.

Minha presença faz-me ser irmão
daqueles que o mundo rejeitou.
Minha oração em filho me transforma
Daquele que é Deus da Criação.

E um dom, menos humano e mais divino,
meu Deus julgou por bem em mim plasmar:
encarnar em palavras a idéias
que concebe o Espírito Divino.



Entre meus braços acolho
o corpo do cachorrinho,
simples filhote e frágil,
que moribundo está.

Sem brilho estão os seus olhos,
respiração ofegante,
como a lutar pela vida
que lhe vai abandonando.

Vai esfriando o corpinho,
geme baixinho de dor.
Eu impotente me sinto
ante a morte que vem.

Acarinhando o bichinho,
que vai morrendo em meus braços,
digo baixinho e chorando:
“Descanse em paz, meu benzinho!”


Cotidianamente eu me quedo,
permanecendo inerte ante a vida,
deixando que a existência vá passando,
enquanto o ócio vai-me consumindo.

Pergunto-me, ao olhar o passado,
e vendo alguma obra realizada –
o que me traz conforto e alegria –
o quanto mais faria sem desânimo!

No entanto, contemplando outras vidas
que a posteridade faz memória,
percebo que de cada uma delas
só uma pequena parte fez-se história.


                                                                  a Hermínia Ramos de Carvalho

Há cartas trocadas entre amigos
escritas sem outra pretensão
além de aproximar suas vidas,
que ao espaço coube separar.

Mas relendo as cartas de então,
uma parte da história de ambos
no papel acabou fixada,
qual diário que a vida escreveu.

Mil detalhes perdidos no tempo
recordados ao relê-las são
e o presente se  torna mais doce
lendo histórias que estão no passado.

Quantas vezes a dor do presente
o sentido da vida sufoca!
No entanto, lembranças de outrora
nos  revelam que em nós houve vida.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014



Se acaso a minha morte
for-me antes anunciada,
quero ir para Lisboa
e juntar-me à sua terra.
E se alguém me perguntar
a razão de minha estada,
sereno responderei:
“Vim aqui para morrer!”
Quiçá haja nos Prazeres
um espaço p’ra eu jazer.
E se houver um epitáfio,
nele conste algum verso
dos poucos que hei escrito.
Ao menos fica a esperança
de alguém por lá passando
repetir meu simples verso
para mim qual oração.



Estranho vou-me sentindo
com a passagem dos anos,
pois o que era inimiga
tornou-se mesmo ansiada.

Tendo o vigor juvenil
e a vida à minha frente,
a minha morte seira
à minh’alma frustração.

Nem todo plano sonhado
de sonhos fez-se real.
Nem toda paz almejada
meu coração acalmou.

Quis ter somente amigos;
muitos desejam-me o mal.
A face antes risonha,
triste revela amargor .

Não tenho mais novos sonhos,
o corpo, sinto-o pesado.
Quedo em minha cadeira,
na morte penso qual paz.



                                                                         a ALS (Tunica)

Houve alguém que eu amei
com o verdadeiro amor,
que nos faz querer o bem
da amada mais que a si.

Se acaso eu sentisse
saudades da minha amada,
antes que a procurasse,
vinha ela ao meu encontro.

Comunhão de pensamentos,
comunhão de sentimentos
tão intensa nos unia
que um só nós dois tornava.

Quis o fado, incompreensível,
separar-nos nesta vida
pela morte que a levou,
‘inda jovem, para a tumba.

E o amor interrompido
antes que se consumasse,
permanece ‘inda em peito,
voltado à eternidade.


ESTRADA REAL


Os caminhos em que outrora
o ouro da minha terra
era levado ao mar
com destino a Portugal,
percorrido foi por mim
quando agosto e o frio
estavam a terminar.
Avistei outra riqueza
amarela – qual o ouro –
não eterna, mas efêmera,
colorindo mata e pastos.
Florescendo os ipês,
encantaram-me os olhos.
Não despertaram cobiça,
somente admiração,
pois que este ouro em flor
dura apenas poucos dias.
Não há cofre que o segure,
somente recordação
e, quiçá, algum poema
que os olhos de um poeta
um instante extasiaram.


FILHO PRÓDIGO


Ao longo da juventude,
nunca olhei para o meu pai
como sendo homem sábio,
mas como meu opressor.

Livre eu queria ser
e por isso a meu pai
exigi a minha herança
e dele me afastei.

Fiz aquilo que eu queria,
rodeado de amigos,
de mulheres e bebidas,
procurando ser feliz.

No entanto, findo o ouro,
os amigos debandaram.
Encontrei-me solitário,
sem ter quem me desse a mão.

Recordei o lar paterno,
no qual sempre vi fartura.
Resolvi então voltar,
como servo e não um filho.

Mal a casa de meu pai
avistei no horizonte,
hei que corre ao meu encontro
quem um dia desprezei.

E antes que eu pronunciasse
o meu arrependimento,
o abraço de meu pai
envolveu-me o corpo arcado.

Dele só ouvi palavra
de carinho e de perdão.
E ao invés de castigar-me,
meu retorno festejou.

Compreendi que a opressão
que eu sentira no passado,
em verdade era amor
de meu pai, e proteção.



Há somente uma luz
que ilumina os poetas,
clareando a cada um
em sua vária existência.

E assim, a arte e a vida
fundem-se no engenho humano,
que a divina claridade
em poemas há tornado.


Um só poema, por menor que seja,
que o poeta transpõe para o papel,
de tal modo lhe aquece o coração,
que o faz sentir-se verdadeiro artista.,
ainda inspirado pelas Musas,
mesmo que a tempos não lhes desse ouvidos.


O poeta busca a felicidade
e a encontra quando dá a conhecer
os poemas que são frutos do labor,
que é próprio de sua alma de artista.

O olhar e o coração sempre voltados
às paixões que a humanidade sempre vive,
as transforma de tal modo em palavras,
que ao ser humano conforta e alenta.

E assim, a humanidade e o poeta,
frente a frente  se encontrando pela vida,
dão sentido à existência de uma e outro,
que se estende pelos tempos feito versos.



Os erros e acertos nesta vida
se dão quando buscamos ser felizes.
Na busca, se pensarmos só em nós,
ao fim encontraremos solidão.

Só encontra a real felicidade
aquele que o bem sempre pratica
e sabe partilhar co’outras pessoas
os sorrisos assim como as lágrimas.



O anjo disse a Maria
a missão que Deus lhe dera:
ser a mãe do Salvador.
E ao seu “sim”, gerou Jesus.

Eu sempre acreditei
que Deus me deu a missão
de dar a forma em palavras
às idéias que há no Éter.

E o Verbo se fez carne,
habitando entre nós.
Eu também dou o meu fiat:
quero gerar muitos versos.



Há o belo,
pelo Criador criado,
e há outro,
nascido do engenho humano.
O primeiro,
co’o Universo se harmoniza;
o segundo,
é imagem do autor.
A arte humana
quanto mais dista de Deus,
mais efêmera
e infiel a si se torna.



Quis compor um poema
que falasse de Lisboa,
mas calou-se meu engenho
ante o cantar de Pessoa.

A cidade rima co’o Poeta!



Reflito sobre a pátria portuguesa,
e sua história, que quisera ter escrito,
ceifada quando ainda prematura,
abortada da universal história.

Mas a vida, tirada de um ventre,
não tem nenhuma história a contar
e dela não há quem faça memória,
pois nunca ao mundo foi dada à luz.

A pátria portuguesa, no entanto,
as marcas traz da história em seu corpo,
lembrando as grandezas de outros tempos,
que moldaram o caráter de seu povo.

Assim como na vida os nossos sonhos,
nem todos chegam à realidade
e mesmo assim fazemos a história,
marcou a história humana Portugal!



Tenho andado muito triste,
sem que eu saiba o porquê.
Meu olhar já não tem brilho,
lembra os olhos de um defunto.

Se expresso um sorriso,
este não me vem da alma.
Dura apenas um instante:
fogo-fátuo de mi’a vida.

Tais momentos de tristeza
prefiguram o meu fim.
Mas espero a vida eterna
na qual finda todo mal.




Eu vi no horizonte um arco-íris
e lembro de o ver desde pequeno.
Durante muitos anos eu tentei
o fim do arco-íris alcançar,
mas quanto mais eu me aproximava,
de mim bem mais distante ele ficava.
Ainda muito jovem entristeci-me
ante a realidade inalcançável.
A mim cabia apenas contemplar.

Um dia, estando eu acompanhado,
à minha frente surgiu um arco-íris
e eu disse àquele que me acompanhava:
“Seguindo vá por onde eu te indicar”.
E vi meu companheiro aproximar-se
do sítio em que o arco se apoiava.
Eu guardo fixado na memória
a imagem multicor desse amigo,
transfigurado pelo arco-íris.

Ainda sinto o coração alegre
ao recordar a imagem inesquecível.
Jamais eu alcançarei aquele intento,
mas realizei-me lá levando o amigo.



“Tão grande é, de fato, o Teu amor,
que em sua imensidão não cabe em Ti.
E assim o universo foi criado,
pois o amor só o é se gera vida”.

Existo neste mundo qual centelha
tão ínfima daquele amor divino
e nele encontro sentido da vida
e abraso-me somente nesse amor.

E a chama divinal que há em mim
abafa-se co’as cinzas do pecado.
Mas a graça de Deus, qual fosse um sopro,
Reaviva a chama por mim sufocada.



Deve voltar-se a arte 
novamente ao passado,
buscando formas perfeitas
que harmonizem quem as veja.

A arte que só reflete
a impressão do seu autor,
leva aquele que a contempla
a mergulhar em seu ego.

E assim torna-se o homem
escravo do próprio ego,
matando o que o torna humano:
o verdadeiro amor.

A arte tem o poder
de tocar o mis profundo
da alma do ser humano
e elevá-lo a Deus.

Porém, se ela o leva
a voltar-se só a si,
afasta o homem de Deus,
que perde, assim, Sua imagem.