segunda-feira, 17 de março de 2014



                                                                                          a Hermínia Ramos de Carvalho

Existe alguém que espreita-me à distância,
que me conhece mais do que eu mesmo,
enxerga os meus poemas co’os meus olhos
e sente-os como eu no coração.

Quisera eu que essa empatia
pudesse se estender além de nós
para que posta em livros permitisse
que outros minha arte conhecessem.

Enquanto no sepulcro permanecem
os versos que aos poucos vou criando,
esta leitora única é a esperança
de vida um dia para os meus poemas.



Um dia um talento Deus me deu
para multiplicá-lo com mi’a vida.
Na minha juventude o enterrei;
agora corro atrás do que há perdido.
Porém, o tempo nunca volta atrás
e o que não fiz não há como fazê-lo.
O medo meu é que até o pouco
do que restou-me seja-me tirado.


Estranha-me os poemas que escrevi
quando passado o tempo os releio.
Pergunto-me se eu serei mesmo o autor,
pois muitos me encantam como se
um outro autor os tivesse composto.
Não guardo na memória nenhum deles
e ao revê-los faço-o admirado
como se a lê-los fosse a vez primeira.
Por isso fica-me a eterna dúvida:
o meu engenho é obra de mi’a mente
ou minha inspiração provém dos céus?


Martela-me a pergunta em minha mente:
alguém lerá um dia os meus poemas?
Co’a morte cessará minha existência
ou pelo o que escrevi serei lembrado?

O ser humano busca a vida eterna
e para alcançá-la faz o bem.
Também a busca aquele que é poeta:
que vivam para sempre alma e versos.


Eu que sinto o meu coração bater
no compasso que é próprio dos poetas,
penso que ele forja todos meus sentidos
e me faz filtrar o mundo em meus versos.

O meu pensamento nasce ritmado,
meu olhar da Criação busca a essência,
chegam sons aos meus ouvidos que eu só ouço,
os aromas que aspiro me inspiram.

Vivo eu neste hedonista e triste mundo
que parece se esquecer da poesia,
mas enquanto arder-me o peito de poeta,
mesmo só eu vou tecendo meus poemas.

quarta-feira, 5 de março de 2014



Os relógios sempre amei,
seus ponteiros caminhando
sem parar, fazendo círculos,
avançando pela história.
Quantas vezes me detive
olhando uma ampulheta
vendo o tempo se escoando,
como aquela branca areia!
O meu tempo foi passando
e com ele a minha vida
e com ela a saúde.
Hoje sinto os dias indo
embora, inexoráveis,
quando olho para os frascos
de remédio sobre a mesa
que esvazio, dia-a-dia,
um a um, feito rotina,
prolongado a minha vida,
que caminha para o fim.




Quanto dura sobre a terra uma vida?
Quase nada comparada à eternidade.
E a arte, criação do engenho humano?
Poucas atravessam séculos, milênios.
E por mais que se estendam pelo tempo,
certo é que neste mundo findarão.
No entanto, Deus criou a vida eterna,
que a conquista quem bem vive esta vida,
sem apego a tudo o que é passageiro,
praticando a cada dia a caridade,
partilhando as alegrias e tristezas,
comungando com os irmãos e com o Pai.




Se a mim for permitido
escolher onde viver
até o fim de minha vida,
não hesito em dizer
que Lisboa é minha escolha.
Nela vejo-me grisalho,
caminhando em suas ruas,
descansando em suas praças,
contemplando as paisagens
das colinas até o Tejo;
respirando sua história,
alguns fados a cantar.
E um dia, nos Prazeres,
quando a alma libertar-se,
o meu corpo misturar-se
ao solo dessa cidade.
Se não vim de terra lusa,
dessa terra pó serei.




A guerra...
sempre estúpida é a guerra,
de todas a mais bestial ação
que o homem realiza em sua história.
Em nome de falácias bem armadas,
o homem digladia-se com o homem
e nunca há vencido ou vencedor,
pois na guerra todos têm as suas perdas...
e perde-se primeiro a humanidade.


O amor de Deus
é semelhante
ao de uma mãe
que a vida dá
pelo que ama.

O amor de mãe
encontra o igual
no amor de Deus
que deu seu Filho
pelos que ama.

O amor humano
será divino
se qual de Deus
for doação
pelo irmão.




Sítio eterno é Lisboa
que, como Roma, tem origem
muito além da própria História,
no mar d’onde saem mitos.
Séculos se sobrepõem
onde homens hoje pisam
e as culturas, quais mosaicos,
fundem-se em ímpar figura.
Mesmo quando a Natureza
mostra-se em todo poder
e devasta a cidade,
das ruínas e das cinzas
ressurge ela gloriosa,
mais bela do que outrora,
pela força que Deus deu
ao povo que ali plantou.

Povo luso de Lisboa,
honra a Deus e à tua história,
e a cidade em que tu vives
viverá além da História.




Não sei como será quando eu morrer,
eu que creio em vida após a vida
Sonho como será o paraíso
e temo não o alcançar um dia.
Espero-o, mas só tenho uma certeza:
chegada a minha hora não há volta
e o que cabe a mim hei de aceitá-lo.




Há quem fale com os vivos,
há quem fale com os mortos,
há que fale co’ ilusões.
Eu falo com os poetas
através de suas obras
e respondo co’outros versos
que desta conversa afloram.





Contei as horas p’ra trás,
querendo voltar no tempo
e aproveitar os momentos
que eu, nó ócio, perdi.
Mas o tempo não parou
e eu, mais uma vez, deixei
de viver o meu presente.




Era jovem,
por ser jovem era sonho,
por ser sonho tinha o mundo à sua frente.
Passou o tempo,
com o tempo foi-se o sonho,
sem o sonho sua vida limitou-se.

Era jovem,
por ser jovem tinha esperança
e por tê-la tinha a vida pela frente.
Passou o tempo,
foi perdendo a esperança;
sem ela sua vida terminou.