domingo, 26 de janeiro de 2014




Em Lisboa estou sendo o que sou,
uma alma humana, sem falsidade,
contemplando a obra que é de Deus,
mas também o que o humano construiu.
Ando sempre a caminhar pela cidade,
onde passam tantos e outros mais passaram,
onde alguns deixaram para sempre marcas
e muitos mais, como eu, nada deixando
a não ser um pouco do meu coração.
Aqui fiz poucos amigos, estes por Deus,
um ou outro pela bela arte humana.
Parto, assim, fortalecido no que sou
e um pouco em lusitano transformado.


O amor é como sombra
que oculta o nosso eu,
ou luz esplendorosa
que ofusca nossa luz.

O verdadeiro amor
anula o que ama
e o faz transfomado
naquele que é amado.  




Há vários corações dentro de mim,
que batem em compassos diferentes
e assim um sobressai-se em minha mente,
cada dia, cada hora dominando-me.
Por isso nunca sei o que eu quero
e até meus sentimentos são diversos.
Por este instável coração sendo guiado,
vou levando as mais variadas vidas.
Homem de verso e palavras, ora de Deus;
sou brasileiro, porém também português;
egoísta, noutro instante sem apego;
viajante, depois faço-me caseiro;
penso ser livre, n’outra hora escravizado.
Este é o coração dentro de mim.
Apenas é um coração humano.



                                                                                    a Garrett

Aquele quarto que acolheu o teu cansaço,
dando-te repouso a contemplar o Tejo
e onde, Garrett, escreveste as Viagens
por tua terra que hoje eu a cruzo...
aquele quarto, aquela cama, aquela carta,
um retrato guardando-te ali a memória,
faz-me perceber o quanto a arte perpetua
a existência de quem já partiu da vida.
Na casa em Alcaçova minha lua fez-se cheia
e iluminou-me a vida tantas vezes sombria e triste.
                                                      

                                                         na casa de Passos Manuel



Do mesmo porto onde outrora partiram
aquelas naus que chegaram a Brasil
e com a mesma coragem dos bravos
navegantes de séculos passados,
que singraram desconhecidos mares,
duas almas com o sangue lusitano
cruzaram, não as águas, mas o ar
sobre o Atlântico Sul em vez primeira.
Nas veias, a pujança portuguesa,
no nome um também era Cabral,
juntando novamente a história
da terra lusa com a brasileira.



À margem do rio que corre,
vou deixando o meu olhar
perder-se naquelas águas
que passam sem se cessar.

Meus olhos então se perdem
e ao ponto que se seguiu
daquelas águas que passam
sem cessar por este rio.

E a margem torna-se opressa
porque me prende o olhar
num ponto daquelas águas
que passam sem me levar.

Naquelas águas que passam
deixo todo o coração;
que alcance o mar como o rio
que eu jamais pude parar.


SONETO


Andava eu nas ruas de Lisboa,
cruzando a cidade à procura
de inspiração poética – loucura! –
seguindo os passos de Pessoa.

Em certa rua, com a mente à toa,
inesperadamente se afigura
em azulejo tão bela gravura:
às Tágides Camões cantando loa.

Quedei-me embevecido a admirar
a arte em azulejo e a poesia
revelando o engenho lusitano.

Entorpecido pus-me a clamar
o mesmo engenho que a Camões ardia
às Tágides a mim, estulto humano




                                            à mesa do restaurante “O Vitral”, na rua Passos Manuel 

Segui de Pessoa os passos
pelas ruas de Lisboa.
Não encontrei o poeta
e sim muito mais a mim.
Na lida do dia-a-dia,
no que é próprio da mi’a vida,
com meus olhos e sentidos,
é que eu verei o mundo
e o expressarei em versos.
O poeta que eu procuro,
devo achá-lo dentro em mim.


                                                     relembrando o jazigo familiar 

Aqui no Chora Menino
deixo o corpo dos meus
que nesta vida amei
e a morte de mim apartou.
Quanto ao meu corpo, no dia
em que esta vida findar,
deixo-o a cargo daqueles
que então me estejam a amar.




                                                                       a José Saramago

Da terra portuguesa tu vieste,
à terra portuguesa retornaste,
e parte de tuas cinzas hoje repousam
incorporada à terra de Lisboa.
Aqui, aos pés da oliveira antiga,
faço memória de tua grande arte
que brilha intensa no literário céu,
mesmo que as cinzas tuas jazam nesta terra.


PANTEÃO DOS BRAGANÇA


Não há como, sem reverência,
entrar no real panteão
onde repousam, solenes, reis e rainhas... e a Dor.
Aqui se misturam as histórias
das pátrias que há em mim.
Ando solene entre arcas
marmóreas e memoráveis,
e quedo-me ante a Dor.
Ceifados filho e pai,
chora a seus pés a mulher.
Será talvez  carpideira,
quiçá seja Dona Amélia,
certo da nação a dor.



Aos meus versos faltam ar,
energia ao meu engenho,
falta vida o poeta,
curta a minha inspiração.

Não há fôlego ao épico,
nem paixão para o romântico
ou malícia ao jocoso,
ciência ao social.

Vou assim, pena à mão,
em retalhos de papel,
produzindo, não estrelas,
mas de luz uma centelha.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

NO MIRADOURO DA GRAÇA


Contigo estou, ó Sofia,
no alto deste mirante
a contemplar tua Lisboa,
que tendes toda a teus pés.
Vejo ao longe o Tejo,
que em teus poemas cantaste,
correndo calmo, impávido,
para o mar e o mundo.
Assim também teus cantares
na língua pátria expressos
vão conquistando culturas
e universais se tornando.



Já tive em mim tantos sonhos,
que mal cabiam em mim.
Hoje me sinto vazio.
Sem sonhos, só vejo o fim.


ANIVERSÁRIO NAS RUÍNAS DO CARMO


Que estranha sensação ao caminhar
por onde tantas vidas se findaram
numa fria manhã, tragicamente!
A morte e a ruína se fizeram
tão belas neste triste memorial
no qual eu venho celebrar a vida
nesta fria manhã, agradecido



(poema ao som dos sinos do meio-dia, em meio às ruínas da Igreja do Carmo, em Lisboa)

Altares, janelas, rosáceas,
imagens e pias e túmulos,
tudo por terra a ruir,
restando na Igreja do Carmo
colunas e arcos ogivais
como a apontar para os céus
a pátria a ser conquistada.


O TERREMOTO DE 1755



No dia dos santos todos
o céu parece esquecer-se
de olhar p’ra velha Lisboa.
As forças da natureza –
a terra e o fogo e a água –
trazendo o Hades ao mundo.
Mas a fênix ibérica
Renasce das próprias cinzas.
E a mesma alma que outrora
o Bojador dominou,
qual Orfeu bem sucedido
Lisboa torna à vida.



No meu caderno antigo
encontro um poema
escrito quando jovem
e ainda uma alma pura.

Escorreu-me uma lágrima
com gosto de saudade
do jovem que eu fora,
dos sonhos que eu tinha.

Nas veredas da vida
foi-se minha inocência,
também a esperança,
minh’alma endureci.

A vida deu-me muito,
além do que pedi,
mas eu daria tudo
p’ra ser o que perdi.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014


Estou partindo para Portugal,
indo ao encontro desta minha sina
de ser poeta, como outrora foram,
outros falantes de mi’a lusa língua.

Vou caminhar por onde já passaram
os que sucesso tiveram na lida
de transformar a vida em poemas
e de fazer dos versos suas vidas.

Parto feliz e cheio de esperança
de, respirando aquele mesmo ar,
sorver das musas a inspiração
e ser, quem sabe, de um poeta par.

SONETO


Cantaste, ó Camões, tantas conquistas
dos bravos lusitanos do passado
em versos sem iguais a mais artistas,
dedicados ao rei tão esperado.

Os teus cantares tão nacionalistas
Sebastião deixaram encantado
E El-Rei com desejos ufanistas
partiu a ver Marrocos derrotado.

O Império Português morreu então –
onde a grandeza sua era esperada –
os sonhos e também Sebastião.

Ante o fracasso de tal empreitada,
reinou em Portugal desilusão,
outra épica história foi calada.


A trágica história de amor
entre o jovem Pedro e Inês de Castro
não perece, passados tantos séculos,
e ainda aquece o coração de amantes.

A rainha sem trono e sem vida
repousa, pés voltados aos pés de Pedro,
aguardando o Final Julgamento
e então se reerguerão um face ao outro.

E o tempo que lhes foi roubado um dia
será vivido na eternidade,
pois que o vero amor os redimiu
e só o amor transcende a realidade.


Se o poeta que sou
existe  apenas em mim,
o que o engenho criou
findar-se-á com meu fim.

A arte, para viver,
precisa, além do autor,
que se dê a conhecer
a quem lhe dê um valor.

A minha pátria cheia de encantos,
que Deus e a natureza lhe doou,
atrai multidão de todo o mundo
que lhe admira a natural beleza.

No entanto, o meu coração me leva
a buscar a cultura em outra fonte,
onde mi’a arte possa ser bendita
e os versos meus quiçá ser declamados.

Sangra-me o coração por minha lida
em minha terra não ser acolhida.
Assim, me volto para o Velho Mundo,
ao berço em que nasceu a minha arte.

E se um dia for reconhecido
como um poeta com algum valor,
eu gritarei por onde quer que eu vá
que filho sou de terras brasileiras.


Um coro poderoso elevou-se,
com vozes a clamar por uma guerra
que a Cristandade e o Império Português
levados fossem até o fim do mundo.

Pelo Marrocos a ser conquistado,
teria início a sina de El Rei,
que d’África em direção ao orbe
o gênio lusitano imporia.

Até Camões ao jovem rei cantou
o valoroso engenho português,
para Sebastião levar a termo
o que a história a ele destinara.

Em Alcacer-Quibir findou-se o sonho
do que seria o Império Português.
O rumo da história foi perdido
e a alma lusitana entristeceu.

A sina de El Rei Sebastião
eu sinto que parece ser de mi’a lida:
tanta esperança em meu coração
não se tornaram fato em mi’a vida.

No canto de Camões seu nome ecoa,
embora sua vida se perdesse;
o meu, talvez, jamais receba loa,
mesmo se muito velho eu morresse.

D. SEBASTIÃO


Dez anos de reinado de esperança
findaram, de repente, na incerteza.
Foi a heróica batalha desvairança,
mas esta não tirou-lhe a realeza.

Teu nascimento fora desejado
como outrora o fora o Messias
e assim o teu retorno esperado
esmaeceu co’o passar dos dias.

Ó desejado infante, ó jovem rei,
que não deixaste nada, nem tua tumba,
mas vives na memória de tua grei
e teu nome na história ‘inda retumba.